Multidões, uma rua me sobressaltaram,
Uma ideia, outras vezes, flagrada num rosto.
Sinto ainda nos olhos a luz traiçoeira
Dos milhares de postes nas grandes calçadas.
Cesare Pavese
Eu desfruto de tanto belo e vivo em utopias
Hegel
Carnaval
A cidade toda se movimenta, se agita, jovens
e velhos se agrupam, se divertem, em festas, nas ruas, em blocos e desfiles, para
experimentar e comemorar algo em comum.
A vida?
Liberados do cotidiano, do trabalho que
cansa, da educação que disciplina, das disputas que exaurem a vontade, das práticas
sociais que ordenam o corpo e definem os seus limites, homens e mulheres
experimentam as fronteiras dos prazeres, dos gozos e das alegrias coletivas.
Nestes momentos, as experiências
sensoriais, estimuladas pelas bebidas e comidas, envolvidas pelas danças e músicas,
pelos contatos físicos, roubados beijos e olhares temporários, valem mais que a
posse dos objetos.
Mas seria o envolvimento total com o
prazer fugaz uma forma imposta de consumo, um gasto inútil de uma experiência rápida
e superficial, um envolvimento pessoal com um evento passageiro que não deixa ou
não fixa nenhum traço significativo?
Para Peter Glotz, o entretenimento
possivelmente guarda uma relação com a
Paixão que conduz `a morte: e completa, a condenação do entretenimento, da distração e da arte ligeira
tem raízes religiosas.
Byung Chul Han, filósofo coreano,
procura entender o aumento do tempo dedicado ao entretenimento no mundo atual,
de outra maneira, quando, supõem ele, trabalho e ócio estão perdendo
sua barreira impermeável e se mesclam, como escreve no seu mais recente
livro, 2018, Bom entretenimento.
Afirma o filósofo, a história do
Ocidente e’ uma história da Paixão: as culturas com tradição crista’ a entendem
como um sofrimento insuportável e inevitável que só ao final dos tempos será recompensado.
A Paixão, transferida ao trabalho e ao esforço cotidiano, tem sido entendida
como uma oposição, ao largo da história, aos conceitos e as experiências
corporais do prazer e do ócio.
O entretenimento e as muitas formas do
carnaval podem parecer uma decadência para a sociedade, mas são realmente tão
distintos o puro absurdo do jogo ao puro sentido da Paixão?
Para alguns estudiosos, a
universalização do entretenimento surge modernamente com a regulação do
trabalho, que inventa, normatiza, e se opõem o tempo do ócio, sem o qual não
haveria um momento próprio para a diversão, um privilégio anterior exclusivo da
aristocracia, uma classe que não trabalhava. O entretenimento seria um conjunto
de atividades com que se preenche o tempo livre da rotinas e das regras do
trabalho.
No mundo atual, buscam-se cada
vez mais excedentes de tempo que liberem a vida da coerção e a desvinculação
com o constrangimento dos lugares e das disciplinas são elementos de uma aproximação
com uma utopia urbana, do gozo e da pura diversão, diz Adorno, uma
forma que a aproxima da arte, que liberada, seria não só o seu oposto, mas também
o extremo que a toca. Uma utopia e’ próxima da arte, e, Arte e’ paixão,
e apenas a paixão tem acesso a transcendência, escreveu George Steiner,
falecido recentemente.
E Byung Chul Han propõem, provoca :
O entretenimento se eleva a um novo
paradigma, a uma nova forma do mundo e do ser. Para ser, fazer parte do mundo,
e necessário ser algo que entretém. Só o que resulta em entretenimento é’ real
ou efetivo. Não e’ mais relevante a diferença entre a realidade fictícia e
real,...a realidade parece ser um efeito do entretenimento.
Paixão e entretenimento são irmanados?
Kleber Frizzera
Fevereiro 2019
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