Quando lá no alto os céus ainda
não tinham nome
Quando cá embaixo a Terra ainda
não tinha nome.
Enuma Elish.
Poema da criação babilônico
Entre a ordem e a incerteza, entre a
certeza e o caos, em um mundo onde duros fixos e fluxos digitais, aos montões, disputam
os corpos e as vontades dos homens, que enfrentam dia a dia, com suas táticas e
trajetórias, as estratégias dos poderes, dos saberes e dos capitais; os espaços
urbanos, onde vivem a maioria da humanidade e dos brasileiros, rangem, em
permanências e mudanças, inúmeros e alternativos processos e caminhos, retas da
felicidade e das dores.
Pesadas e leves coisas estranham
estas alternativas, aguardando denominações e objetivos, a se imporem nas suas
estruturas de organização e mudanças, pelas falas e ações ou claras marcas de
beleza e satisfação.
Em multidão ou solitários
caminhantes, ocupando, nas marchas e cortejos, em gritos ou surdos apelos, as
ruas sem fins, os homens sem mais qualidades, esperam, desesperançosos, o cíclico
retorno das utopias abandonadas, a reinvenção dos relatos perdidos, ficando entre
o sonho da antecipação da cidade paraíso, e a ilusão de um movimento perpetuo, feito
de renovados eventos em suas ativas vidas. Uma “nostalgia do paraíso”, um desejo experimentado pelos homens, de se
acharem sempre, no coração do mundo, diz Eliade, e assim conseguir, “ superar a condição humana e recobrar a
condição divina,..., a condição anterior `a queda”.
Seria a felicidade, esperada ou antecipada,
apenas mais uma oferta do consumo estético imposto pelo capital, a ser
disputada e/ ou comprada no mercado, ou uma lembrança anterior `a perda do início,
no interior do paraíso terrestre, a ser reconquistada, sua falta, pela
linguagem, pela ciência e pela política, ou vivida intensamente,
antecipadamente no amor, na arte e na sabedoria?
Nas disputas dos contrários
argumentos, dos iluminados acenos `a praticas hedonistas ou intensas e ativas políticas,
nos esforços isolados ou no seio da multidão, quem mais oferece, a religião, ciências
ou paixões, meios de retomarmos os prazeres abandonados, deixados em devir, no
tempo a ser concreto, refém do outro lado do muro do jardim das delicias?
Em nossa imediata proximidade, debatem-se
propostas, afirmam-se intolerâncias, pequenas e grandes guerras, apoiadas nos
chãos e no virtual, estimuladas por superficiais críticas, por rápidas
respostas, flechadas de 140 caracteres, ansiosas vontades e prontas para o
sucesso imediato, cercada `a fama dos “ quinze
segundos”, nos ares.
Nas reais cidades, indiferentes `as
falas, os corpos ocupam, nos domingos ensolarados, o calor e o prazer da carne,
deslizam de bicicletas, respondem aos gritos das crianças refletindo suas vozes
e areias nos coloridos guarda-sóis, enquanto a carrocinha “ ajelso”, apela ao pais e distribui
beijos gelados e picolés coloridos. O vento escoa na pele os encantos do dia, e
sozinho, da janela ao alto, o escritor se esmera com a palavra e tristeza,
incapaz do defeito projeto unificador, de fe’, orgulho e futuro.
Incompleto mundo
Se
eu for pensar muito na vida
Morro cedo, amor.
Nelson Cavaquinho
Um misto de prazer e dor escapa dos
coletivos e dos telefones celulares, em todas as mãos e ouvidos, trocando somas
de alegrias e infortúnios, compartilhados, agudas vozes, com todos os
passageiros, onde o cansaço, do trabalho repetido, espelha os rostos e brilhos
e escapam de olhos outros. Microcosmos da dura urbe, o ônibus vespertino, nas suas
infelizes paradas, carregam tristezas infinitas aos frios e longínquos apartamentos.
Como
a tristeza infinita das mulheres, que no final da tarde, cansadas de trabalho
inútil, esvaziam os seus olhares a espera do ônibus, fazendo costas para o
oceano e o céu. Sao muitas, inúmeras, uma série de mulheres, feias, mal
arrumadas, os corpos disformes, a maioria negras. Enquanto aguardam, não
conversam entre si, silenciosas, desconhecidas que são do mesmo sofrimento e da
mesma dor compartilhadas.
O
que as espera no lar? Mais uma jornada, mais uma tristeza, filhos e perversos
maridos.
Não
ha’ honra ou qualquer escolha para estas mulheres, nem imortalidade e
lembrança, nem longa vida nem marcas de vitorias em suas mãos nos moveis, nas
roupas, nas comidas, e pouco, quase nada.
Que
nos resta, atual a sina da solidão e esvaziada a solidariedade, que soubemos
fazer de nossos confortos e desilusões?
Que
nos resta das mulheres infelizes?
Infinitos
abandonos.
Aprender
a sorrir
Contigo
aprendi a sorrir.
É
por isso que eu canto assim.