sábado, 29 de fevereiro de 2020

Carnaval 2020


A cidade ensinou-me infinitos temores:
Multidões, uma rua me sobressaltaram,
Uma ideia, outras vezes, flagrada num rosto.
Sinto ainda nos olhos a luz traiçoeira
Dos milhares de postes nas grandes calçadas.
Cesare Pavese

Eu desfruto de tanto belo e vivo em utopias
Hegel

Carnaval
A cidade toda se movimenta, se agita, jovens e velhos se agrupam, se divertem, em festas, nas ruas, em blocos e desfiles, para experimentar e comemorar algo em comum.
A vida?
Liberados do cotidiano, do trabalho que cansa, da educação que disciplina, das disputas que exaurem a vontade, das práticas sociais que ordenam o corpo e definem os seus limites, homens e mulheres experimentam as fronteiras dos prazeres, dos gozos e das alegrias coletivas.
Nestes momentos, as experiências sensoriais, estimuladas pelas bebidas e comidas, envolvidas pelas danças e músicas, pelos contatos físicos, roubados beijos e olhares temporários, valem mais que a posse dos objetos.
Mas seria o envolvimento total com o prazer fugaz uma forma imposta de consumo, um gasto inútil de uma experiência rápida e superficial, um envolvimento pessoal com um evento passageiro que não deixa ou não fixa nenhum traço significativo?
Para Peter Glotz, o entretenimento possivelmente guarda uma  relação com a Paixão que conduz `a morte: e completa, a condenação do  entretenimento, da distração e da arte ligeira tem raízes religiosas.
Byung Chul Han, filósofo coreano, procura entender o aumento do tempo dedicado ao entretenimento no mundo atual, de outra maneira, quando, supõem ele, trabalho e ócio estão perdendo sua barreira impermeável e se mesclam, como escreve no seu mais recente livro, 2018, Bom entretenimento.
Afirma o filósofo, a história do Ocidente e’ uma história da Paixão: as culturas com tradição crista’ a entendem como um sofrimento insuportável e inevitável que só ao final dos tempos será recompensado. A Paixão, transferida ao trabalho e ao esforço cotidiano, tem sido entendida como uma oposição, ao largo da história, aos conceitos e as experiências corporais do prazer e do ócio.
O entretenimento e as muitas formas do carnaval podem parecer uma decadência para a sociedade, mas são realmente tão distintos o puro absurdo do jogo ao puro sentido da Paixão?
Para alguns estudiosos, a universalização do entretenimento surge modernamente com a regulação do trabalho, que inventa, normatiza, e se opõem o tempo do ócio, sem o qual não haveria um momento próprio para a diversão, um privilégio anterior exclusivo da aristocracia, uma classe que não trabalhava. O entretenimento seria um conjunto de atividades com que se preenche o tempo livre da rotinas e das regras do trabalho.
No mundo atual, buscam-se cada vez mais excedentes de tempo que liberem a vida da coerção e a desvinculação com o constrangimento dos lugares e das disciplinas são elementos de uma aproximação com uma utopia urbana, do gozo e da pura diversão, diz Adorno, uma forma que a aproxima da arte, que liberada, seria não só o seu oposto, mas também o extremo que a toca. Uma utopia e’ próxima da arte, e, Arte e’ paixão, e apenas a paixão tem acesso a transcendência, escreveu George Steiner, falecido recentemente.
E Byung Chul Han propõem, provoca :
O entretenimento se eleva a um novo paradigma, a uma nova forma do mundo e do ser. Para ser, fazer parte do mundo, e necessário ser algo que entretém. Só o que resulta em entretenimento é’ real ou efetivo. Não e’ mais relevante a diferença entre a realidade fictícia e real,...a realidade parece ser um efeito do entretenimento.
Paixão e entretenimento são irmanados?


Kleber Frizzera
Fevereiro 2019