domingo, 20 de outubro de 2019

Montreal 2. Diversidade urbana



A diversidade social e´ atualmente uma das marcas distintivas de Montreal.
A cidade foi sendo construída por várias levas de imigrantes, franceses, ingleses, escoceses, irlandeses, de várias origens do leste europeu, e recentemente, de sírios, árabes, libaneses, haitianos e chineses que a compartilham com uma imensidão de estudantes, inclusive brasileiros, oriundos de todas as partes do mundo. 
Montreal aprendeu a conviver e respeitar as diferenças linguísticas e as multiculturalidades de seus moradores, além de revalorizar a história das primeiras nações, que ocupavam o território antes da chegada dos europeus. Hoje 40 % de sua população falam três idiomas, inglês e francês, línguas oficiais do Canada e mais uma língua de sua etnia ou nação, e 10 % falam quatro ou mais línguas.
A múltiplas diferenças étnicas e nacionais, e opções de sexualidades, práticas sociais e religiosas, movem um caldeirão de comportamentos que esta´ criando uma economia moderna e uma sociedade plural, onde a diversidade é uma das bases da igualdade e do desenvolvimento. 
Evidentemente não faltam resistências dos que se acham ameaçados em seus valores, mas a situação da economia, com alta oferta de empregos, acaba reduzindo a dimensão destes discursos xenófobos.
Enquanto isto, em alguns países, inclusive no Brasil, muitos se manifestam por uma sociedade desigual e subordinada a um único quadro de valores religiosos e familiares, condenando e discriminando as diferenças, de todos os tipos, e adotando uma pauta moral, atrasada e ineficiente nas competições internacionais da economia. 
No Brasil, vindo de autoridades públicas, estas afirmações acabam penetrando em todas as camadas sociais, incentivando os preconceitos e manifestações de ódios.
Evidentemente que em um país com muito menos desigualdades econômicas, como o Canada´, com reduzidos índices de violências, pode parecer mais fácil construir uma sociedade com uma convivência social mais colaborativa e solidária. Mas não basta nem e´ suficiente as suas vantagens econômicas, como o exemplo na manutenção de fortes preconceitos raciais e sociais, em um país rico como os Estados Unidos.
Uma das razões da diversidade vivida em Montreal inicia-se com um elevado investimento na educação superior e pesquisa instaladas, boa parte, no centro urbano. Hoje, milhares de estudantes estrangeiros mudam-se para Montreal para aprofundar seus estudos, contribuindo para uma grande presença de jovens de todas nacionalidades nos lugares públicos. Após os estudos, muitos permanecem, atraídos pelos empregos de alta tecnologia e pela qualidade de vida urbana
Canada´ e Montreal sempre acolheram refugiados políticos e econômicos de várias nações, desde irlandeses empobrecidos no século XIX e XX a sírios e árabes perseguidos no século XXI, e novos mecanismos de estímulos a investimentos, tem trazido um grande número de moradores asiáticos, principalmente chineses. 
Como professor e arquiteto tenho estudado se os aspectos físicos de uma cidade e os comportamentos públicos de seus moradores revelam e contribuem para partilhamento de uma experiência comum e para a convivência pacífica de uma diversidade social.
Mas seremos capazes de reconhecer estas qualidades nos usufrutos de lugares públicos e nas faces de suas construções?
Preliminarmente, nas poucas semanas que estou em Montreal, me surpreendo com a multiplicidade das vozes, gestos e vestimentas e com a extrema qualidade de seus lugares de uso comum, ruas, praças e parques, que se oferecem bela e generosamente ´a vida urbana.
Novos edifícios, convivendo com construções históricas, aumentam a densidade populacional e de serviços no centro, e junto com agradáveis e extensas praças e parques, parecem também potencializar novos usos e a presença de mais e diferentes pessoas nas vias públicas.

Reduzir as desigualdades e as segregações urbanas e sociais, investir fortemente na educação e na pesquisa, atrair jovens do mundo, respeitar as diferenças e qualificar os espaços urbanos, poderão contribuir para tornar a cidade da Grande Vitoria, mais diversa, feliz e igualitária?

Kleber Frizzera
Outubro 2019
publicado em movimentoonline.com.br

sábado, 12 de outubro de 2019

Montreal 1 Reinvenção urbana



27 de setembro de 2019
Centenas de milhares de pessoas, na maioria jovens, saem ´as ruas da cidade de Montreal, em uma massiva manifestação em defesa do planeta, exigindo ações imediatas no enfrentamento do aquecimento global e das mudanças climáticas.
Mais de 10% da população da região metropolitana de Montreal estiveram nesta manifestação.
Os cartazes são improvisados, feitos a mão pelos manifestantes, revelando uma pluralidade de expressões pessoais e posturas políticas, e um conjunto múltiplo de desejos e propostas, generosos e solidários.

Das 20 melhores cidades do mundo para morar, conforme QUALITY OF LIVING CITY RANKIG. 2019,quatro delas estão no Canada´, Vancouver, Toronto, Otawa e Montreal.

Montreal Metrópole, possui uma população em torno de 4 milhões de habitantes, fundada a 377 anos, se desenvolveu como cidade-porto. porto de transbordo, devido as corredeiras, no Rio São Lourenço, via de ligação entre o Atlântico e as férteis terras em torno dos grandes lagos. Margeando este rio e uma infinidade de canais de navegação e ferrovias, construídos no século XIX, foram implantadas inúmeras indústrias, que suportaram o grande crescimento econômico desta região dos Estados Unidos e do Canada´, ate´ as década de 1980\ 1990.
Nas últimas décadas do século XX, Montreal atravessou profundas crises, econômicas, pela desindustrialização, e devido a gestão fiscal, e precisou reinventar as suas bases produtivas para retomar o desenvolvimento econômico, urbano e social.
O resultado desta renovação pode ser observado nas infraestruturas públicas e ambientes urbanos- renovados, ampliados e nos investimentos imobiliários, para atender novos e jovens moradores, acomodar turistas e estudantes, e a locação de negócios mais diversificados, ligados aos novos dinamismos da economia mundial.
Do ponto de vista urbano, as principais ações foram as seguintes:
1.            Renovação de edifícios, galpões industriais e de áreas degradadas, localizadas nas margens dos rios e dos canais de navegação, próximas do centros urbano.
2.            Adensamento construtivo e populacional da área central, pela verticalização, redesenho de quadras e das legislações urbanas, incentivando os usos mistos e de pequena escala.
3.            Investimentos em qualificação de vias públicas, calçadas e parques, estimulando os deslocamentos a pé e de bicicleta e o usufruto cotidiano de lugares próximos das residências e dos trabalhos.
4.            Estímulo ao turismo e a cultura, preservação do patrimônio construído, proteção das paisagens naturais e implantação de novos equipamentos culturais e de entretenimento.
5.            Melhoria e ampliação do sistema de transporte público de massa e de outros meios de deslocamento individual.
6.            E o fortalecimento dos programas sociais, de inclusão social e econômico, de emprego e renda, acesso aos serviços públicos e respeito a´ diversidade étnica, cultural e social.

Podemos reconhecer os sinais visíveis destas ações, quando caminhamos na cidade de Montreal, observando;
1.            Uma alta densidade de pessoas nas ruas- jovens movimentando-se a pé e bicicleta-, e uma alta intensidade de ocupação de bares, ruas e parques, nos finais de tarde e finais de semana 
2.            A presença de grande número de novas construções expondo novas relações formais e estéticas com os elementos construídos, com a forma urbana tradicional e edifícios históricos
3.            A abertura de novas vistas e eixos de circulação, uma maior permeabilidade em áreas anteriormente fechadas, onde fábricas, armazéns e viadutos, eram obstáculos aos movimentos, aos acessos e os olhares dos pedestres.
4.            A presença pública das faces de múltiplas etnias e nacionalidades e da oferta de suas expressões culturais, como serviços e comércios especializados.
5.            A garantia de segurança pessoal na experiência urbana, nas relações humanas entre os corpos e pessoas nos espaços de uso comum.
Montreal e´ uma cidade metrópole completa.
Completa pelo direito ´a manifestações, políticas, ambientais, ´a segurança na vida urbana, oferecendo lugares belos, praças e parques atraentes, convidativos aos passeios, aos encontros, aos exercícios, as caminhadas.
Também como uma metrópole completa, em Montreal se partilha o passado, seus sítios históricos, suas paisagens e seus edifícios restaurados.
De suas muitas diversidades, se faz também uma metrópole, na convivência de tantas caras, origens, sexualidades, tantos corpos e vestimentas diferentes, das muitas falas e línguas que ocupam os ares, movem as conversas e as narrativas.
A Grande Vitória conseguira´ ser um dia uma metrópole completa?

Kleber Frizzera
Outubro 2019
Publicado em movimentoonline.com.br
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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Experiência e cidade



Segundo Josep Maria Montaner, crítico de arquitetura catalão, a visão feminista de revalorização da experiência  sensorial e corporal das mulheres, ao negar as pretensões machistas e masculinas de imposição de formas e normas de pensamento, de modos de vida e comportamento supostamente universais, resgata uma nova subjetividade própria, nômade, “através da afirmação da complexidade e da diferença, dos afetos e dos desejos, da realidade e da vida cotidiana e trabalho reprodutivo”.

Mas haverá uma singular apropriação feminina a tensionar e transformar os espaços públicos da cidade, quando os seus corpos, tornados livres, suas manifestações gestuais, verbais e de vestimentas rompem os limites do controle simbólico e real dos olhares dominantes? 

O aumento da violência simbólica e física contra os corpos femininos não seria resultado da resistência masculina a essas mudanças?

Vivemos uma sociedade da experiência, que segundo o filósofo Slavoj Zizek, é uma das características definidoras do capitalismo pós-moderno: “A mercantilização direta da nossa experiência, quando o que compramos no mercado é cada vez menos produtos e objetos materiais e cada vez mais experiência de vida, de sexo, de comer, de comunicar, de consumo cultural, de um estilo de vida, ...,consumidores de nossas vidas..” . Em última análise, afirma, “nós compramos o tempo de  nossas vidas”, como um desejo imposto de buscar transformar a nós mesmos em uma obra de arte Premium.
Anúncios de viagens, de restaurantes, carros, das últimas modas, de roupas e adereços, comportamentos e móveis, propagandas de todos os tipos de objetos e serviços, contêm sempre, como plus, essa oferta: o acesso privilegiado a uma experiência corporal única, particular a ser oferecida pelas coisas, pelos alimentos ou lugares turísticos, suas satisfações, prazeres e  lembranças inesquecíveis a serem registradas em fotos, corpos, músculos e espíritos.
Para o filosofo francês Gilles Lipovetsky, a ideia de um marketing sensorial produz como um “reencantamento do mundo, que conduz a viver a cidade [...], como um parque de diversões, que e´ consumido com a paixão e o prazer devidos”, teatralizando e espetacularizando a vida ordinária, e assim, “a cidade gera novas experiências, suscita emoções, cria sensações”. Busca-se uma atmosfera especial, de um contínuo entretenimento, e mais do que nunca, o mundo hipermoderno é “o da estética mercantil e do comércio consumista que invade e reestrutura o espaço urbano e arquitetônico”.
Ao mesmo tempo, a expansão das experiências pessoais propiciadas pela realidade virtual em jogos e viagens, ap, parece fortalecer o individualismo, estimular o prazer solitário e o hedonismo descarnado, em que não mais precisamos nos debater diretamente com a matéria das coisas para o desfrute da vida.
Ao investir na produção de experiências virtuais ou reais, múltiplas, diversificadas e ofertadas a gostos e apreciações individualizados, tendemos a ultrapassar a satisfação imediata de necessidades básicas, biológicas ou sociais, potencializando uma contemplação e um gozo sensível, afetuoso e criativo? 
Ou, ao contrário, nos mantemos subordinados a uma lógica capitalista, inserindo a vida e o afeto humano em um mercado volúvel, masculino, violento e consumista?

Nestas complexas e atuais oposições, a crescente presença feminina nos espaços públicos, ocupando e transformando, de múltiplas formas, com seus corpos e desejos os lugares do mundo, parece romper esta dicotomia, revelando e propondo novas práticas de aprendizado e de convivência sensível e amorosa humana.


Kleber Frizzera
Setembro 2019