sábado, 14 de setembro de 2019

Viver e morar, a partir do centro


O governo do estado esta´ transferindo boa parte das instalações de suas secretarias para o centro da cidade de Vitória, retomando uma posição física e simbólica que ocupou por séculos, desde quando o atual palácio Anchieta, deixou ser propriedade dos jesuítas, expulsos do Brasil, pelo Marques de Pombal, em 1757. 
O governador Jerônimo Monteiro, 1908\1912, demarcou definitivamente este símbolo, através da reconstrução da antiga residência e igreja de Santiago e da escadaria Barbara Lindbergh, em estilo eclético, tornando visível uma nova postura política, assumida, após a proclamação da república, pelo poder local e a sua burocracia estatal, instalada no centro.
Por todo o século XX, a imponente escadaria e as duas novas fachadas do palácio, em cima do outeiro, uma voltada para o porto, a avenida Jeronimo Monteiro e sua riqueza comercial, e a outra de face ao poder Legislativo, instalado sobre a igreja da Misericórdia, ao Judiciário, na rua Pedro Palácios e  á catedral de N.S. de Vitória, deixaram expostas, em marcas urbanas e arquitetônicas, os detentores dos poderes, materiais e simbólicos, do estado do Espirito Santo. 
Aos seus pés, no parque Moscoso, nas ladeiras da cidade alta e em torno da praça Costa Pereira, foram se instalando as renovadas moradias e negócios dos comerciantes, funcionários públicos e proprietários rurais, enquanto os trabalhadores, portuários, comerciários e da construção civil, se agruparam do morro do Quadro ao bairro de Santo Antônio.
A partir destas posições centrais relativas, se formularam, se debateram e se enfrentaram os projetos de desenvolvimento, econômico, cultural e social do estado, suas realizações e fracassos.
O afastamento dos órgãos do governo estadual e dos moradores de classe média do centro histórico, foi simultâneo, a partir da década de 1970, com a concentração fiscal e decisória do governo federal e da expansão do poder das grandes empresas, industriais exportadoras, que com o tempo foram transferindo seus centros decisórios para fora do estado e mesmo do país. 
O espalhamento das localizações dos órgãos públicos estaduais acompanhou os seus esvaziamentos institucionais e suas incapacidades de formulação e implantação das políticas públicas, de infraestrutura e sociais, substituídas, no tempo, por uma austeridade financeira vazia, sem frutos ou resultados reais para o estado e a população.
A transferência anunciada das secretarias estaduais pode representar, mais que uma postura simbólica, uma decisão política de retomar o protagonismo da esfera pública no sentido de, a partir do centro, gerar ideias, debater iniciativas e desenvolver ações comprometidas com uma sociedade capixaba, mais justa e igualitária.
Dois desafios se apresentam  para este novo momento. 
Constituir um processo democrático, amplo, que inclua a participação decisória das muitas diferenças e particularidades locais, e capaz de acionar e impulsionar um projeto estadual  inclusivo, econômico e socialmente. Um projeto, flexível para os novos tempos, mas determinado para enfrentar as desigualdades sociais e regionais, e que aponte e invista em um desenvolvimento diversificado, atento ´as possibilidades das novas tecnologias e dos processos criativos e ´a crescente necessidade de oferecer saúde, educação, emprego e renda a todos os cidadãos.
Um outro desafio, de caráter urbano, será dotar o centro histórico das condições ambientais, para que, acompanhando as novas secretarias, seja repovoado, por habitações sociais e destinadas para jovens, que abrigue lugares potencializadores de práticas sociais e produções culturais inovadoras e atraentes. Neste contexto, preocupante a informação da transferência da empresa PicPay, do centro de Vitoria para Av Leitão da Silva.
As cidades de sucesso, em todo o mundo, oferecem aos seus cidadãos, um ambiente seguro, adequado, múltiplo e aberto, que propicia o contato com experiências sensíveis, corporais e espirituais, estética e eticamente, condições para vida privada e pública, feliz e democrática.
Estaremos a partir do centro, produzindo as condições urbanas, políticas, econômicas e culturais de um outra metrópole e um outro Espírito Santo?

Kleber Frizzera
Setembro 2019
Publicado em Movimentoonline.com.br