quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Espirito Santo

  

espírito santo 

 

Há sempre um gesto incompleto, uma decisão atrasada, uma vontade reduzida, que parece ocupar os tempos e os espaços nas histórias do estado do espírito santo, de seus repetidos isolamentos e afastamentos, de seus projetos fracassados e recomeços infelizes. 

São histórias que desde a ocupação original portuguesa somaram e acumularam violências, contra os índios, contra a natureza, negros e mulheres, reproduziram distorcidas as formas capitalistas da exploração do território, dos corpos e das vontades, esvaziadas de seus sonhos.

Se no século XVIII, o limite de acesso às minas gerais foi imposto pela Coroa Portuguesa, e se podemos deslizar a outros a responsabilidades pelo extermínio dos índios e pela desregrada imigração europeia, nos coube, em própria conta, a metódica destruição das matas, o ódio às mulheres e a dependência de um modelo econômico concentrador de rendas.

Assim, não é surpresa termos hoje, uma elite empresarial e política tão conservadora, racista e excludente, uma classe média agarrada aos seus valores monetários rentistas e uma população que se recolhe a uma rala esperança de uma salvação em vida pós morte. Naturalizamos os feminicídios, o preconceito racial, as desigualdades econômicas e sociais, as segregações urbanas, aceitamos desejos limitados que não se afastam dos mapas da província.

Em um século XXI que não perdoa o isolamento, cujos impactos ambientais e sanitários não respeitam fronteiras e barreiras e quando a mudanças tecnológicas atropelam modos de vida e práticas tradicionais, extinguem empregos e culturas, somos incapazes de pensar o diferente, o desigual, o outro lado, submetidos aos repetidos gostos e procedimentos banais.

Talvez seja assim mesmo e a condenação superposta por séculos, inscrita nos nossos modos, falas e comportamentos seja tão profunda incisão, que não há meios de reinscrever um outro jeito, e assim, aceitamos soluções meia bomba, desde governos que entesouram saldos a outros que anunciam arranjos descosturados para propor uma universidade estadual.

Acostumados a sabores insossos, a viver em uma quase metrópole, a passar resignados por um cais das artes abandonado, a acompanhar projetos interrompidos, sobra-nos os restos e as migalhas para quem se acostumou estar `a margem, do país e do mundo, sentado na avenida beira mar, olhando os navios que chegam e partem dos portos, enquanto o velho centro se desmancha em pó e cinzas, em nossas costas.

No tempo de difíceis escolhas, de tempos difíceis de ódios e violências, de pandemias e lock down, tempos de mudanças climáticas e riscos globais, tempos de decisões, poderemos pensar outras rotas, desfazer os laços que nos mantiveram em tanta aflição?

Quando o real parece nos escapar pela imaterialidade do mundo virtual, e os corpos tornam-se híbridos, corpos cyborgs, onde os lugares e as coisas se desmancham nos ares, diante das informações, sem limites, e cada contato e’ intermediado e deformado pelas imagens, haverá uma saida que reconstitua uma experiência intensa do local onde aportamos nossos barcos e esperanças?

 

 

Kleber Frizzera

Novembro 2021

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Um outro normal

 Um outro normal 

e’ possível?


Vi uma estrela luzindo 
Na minha vida vazia. 
.... 
Por que tão alto luzia? 

E ouvi-a na sombra funda 
Responder que assim fazia 
Para dar uma esperança 
Mais triste ao fim do meu dia.

 

Manuel Bandeira

 

A comunidade europeia anunciou que 2035 sera’ o ano limite para a produção e comercialização de veículos movidos a motores `a explosão ou híbridos, que usem gasolina, gás natural ou diesel como combustível. 

Pesquisa publicada pelo El Pais, em 01/ 11/ 2021, demonstra que espanhóis são favoráveis a esta proposta, como outras, de proibir voos comerciais entre cidades a menos de 300 Km e servidos por trens de passageiros. Na Espanha, em áreas urbanas acima de 50.000 moradores, desde 2021, já’ estão proibidas as movimentações de veículos poluentes.

Completa a reportagem: “La crisis de la covid ha tenido un impacto en los hábitos de movilidade. Por ejemplo, el 56,9% sostiene que realiza más desplazamientos andando y el 20,6% declara haber incrementado el uso de la bicicleta. Además, el 9,3% asegura que usa más el patinete eléctrico.” 

Em todo mundo, como na Espanha, crescem as preocupações com as mudanças climáticas que colocam em risco as condições ambientais do planeta e aguarda-se que países assumam compromissos mais efetivos, a partir da conferência do clima da ONU COP 26, no enfrentamento deste desafio global.

Estamos o Espírito Santo e a metrópole, nos preparando para estas possíveis mudanças?

1.   Quais os impactos no consumo de aço, petróleo e de minério de ferro no mercado internacional, principais pautas de produção e exportação capixaba?

2.   A metrópole esta’ se ajustando para as alterações dos hábitos de deslocamento, restringindo o uso e circulação dos carros e estimulando os deslocamentos não motorizados?

3.   O plano de desenvolvimento metropolitano, aprovado em 2018, sairá das gavetas do governo do estado, e sera’ referência para as decisões públicas de articulação e mobilidade urbanas? 

 

Viagens ao exterior, divulgando, em fóruns internacionais, boas intenções para a redução da emissão de gases, proteção e recuperação de florestas, são inúteis e pouco efetivas. As mudanças climáticas, em nível global, as poluições locais, geradas por indústrias e processos extrativistas, exigem uma revisão do modelo econômico, baseado na concentração dos capitais, na dependência das exportações de commodities e na exploração do trabalho precário. 

Um futuro saudável exige reconverter a economia local. O estado tem experiências significativas e iniciativas criativas na produção de bens e serviços, que agregam novas tecnologias virtuais e pragmáticas, capazes de estabelecer uma nova base econômica verde, adequada aos novos e exigentes tempos. Estamos formando jovens talentos, explorando pesquisas e processos, acumulando capacidades intelectuais e artísticas, uma base crítica que e’ o fermento e a impulsão de outros meios de produção, distribuicao e consumo.

As cidades, onde vivem mais de 80% da população e’ o locus, o local onde se encontra, em potência, estas possibilidades futuras. Investir na educação e saberes, financiar projetos inovadores, tecnológicos e culturais, e’ um caminho, que passa pela redução das desigualdades urbanas, melhoria da qualidade da mobilidade, e qualificação e ampliação dos espaços públicos.

 

Kleber Frizzera/ novembro 2021

sábado, 4 de setembro de 2021

Migalhas


 

Inverso, a parte, a coisa, o trecho, o pedaço do bolo, o último

Na mesa, na toalha xadrez, no prato de

Sobremesa, distrai

As migalhas e o gosto travo de ontem.

 

A chaleira apita o dia, despeja vapores, condensa

Água e calor nas xicaras de café com leite,

pão com manteiga, 

As migalhas no chão.

 

Espreito o dia, o sol e os ventos, a praia, ainda vazia

E branca reflete, sem sombras, insatisfeitas

Madrugadas,

As migalhas de um amor desfeito.

 

Setembro 2021

 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

sonho

 

Sonhei um beijo, único,

Deflora a boca, úmida,

Refaz o gosto, perdido prazer de noites indormidas.

 

3.5.21