espírito santo
Há sempre um gesto incompleto, uma decisão atrasada, uma vontade reduzida, que parece ocupar os tempos e os espaços nas histórias do estado do espírito santo, de seus repetidos isolamentos e afastamentos, de seus projetos fracassados e recomeços infelizes.
São histórias que desde a ocupação original portuguesa somaram e acumularam violências, contra os índios, contra a natureza, negros e mulheres, reproduziram distorcidas as formas capitalistas da exploração do território, dos corpos e das vontades, esvaziadas de seus sonhos.
Se no século XVIII, o limite de acesso às minas gerais foi imposto pela Coroa Portuguesa, e se podemos deslizar a outros a responsabilidades pelo extermínio dos índios e pela desregrada imigração europeia, nos coube, em própria conta, a metódica destruição das matas, o ódio às mulheres e a dependência de um modelo econômico concentrador de rendas.
Assim, não é surpresa termos hoje, uma elite empresarial e política tão conservadora, racista e excludente, uma classe média agarrada aos seus valores monetários rentistas e uma população que se recolhe a uma rala esperança de uma salvação em vida pós morte. Naturalizamos os feminicídios, o preconceito racial, as desigualdades econômicas e sociais, as segregações urbanas, aceitamos desejos limitados que não se afastam dos mapas da província.
Em um século XXI que não perdoa o isolamento, cujos impactos ambientais e sanitários não respeitam fronteiras e barreiras e quando a mudanças tecnológicas atropelam modos de vida e práticas tradicionais, extinguem empregos e culturas, somos incapazes de pensar o diferente, o desigual, o outro lado, submetidos aos repetidos gostos e procedimentos banais.
Talvez seja assim mesmo e a condenação superposta por séculos, inscrita nos nossos modos, falas e comportamentos seja tão profunda incisão, que não há meios de reinscrever um outro jeito, e assim, aceitamos soluções meia bomba, desde governos que entesouram saldos a outros que anunciam arranjos descosturados para propor uma universidade estadual.
Acostumados a sabores insossos, a viver em uma quase metrópole, a passar resignados por um cais das artes abandonado, a acompanhar projetos interrompidos, sobra-nos os restos e as migalhas para quem se acostumou estar `a margem, do país e do mundo, sentado na avenida beira mar, olhando os navios que chegam e partem dos portos, enquanto o velho centro se desmancha em pó e cinzas, em nossas costas.
No tempo de difíceis escolhas, de tempos difíceis de ódios e violências, de pandemias e lock down, tempos de mudanças climáticas e riscos globais, tempos de decisões, poderemos pensar outras rotas, desfazer os laços que nos mantiveram em tanta aflição?
Quando o real parece nos escapar pela imaterialidade do mundo virtual, e os corpos tornam-se híbridos, corpos cyborgs, onde os lugares e as coisas se desmancham nos ares, diante das informações, sem limites, e cada contato e’ intermediado e deformado pelas imagens, haverá uma saida que reconstitua uma experiência intensa do local onde aportamos nossos barcos e esperanças?
Kleber Frizzera
Novembro 2021