terça-feira, 12 de novembro de 2019

As desigualdades sociais e as cidades


Vancouver 1


Os últimos dados publicados pelo IBGE, expuseram o aumento do número de pobres e miseráveis no Brasil, atingindo, em 2018, um total de 13, 5 milhões ou de 6,5 % da população, e confirmando uma crescente e alarmante desigualdade econômica e social. Afirma o renomado economista francês Thomas Piketty, em seu recente livro de 2109, Capital e Ideologie, que quando observadas no período 1980\2018, estas desigualdades sociais econômicas voltaram a crescer também na maior parte dos países e regiões do planeta, se configurando como umas das questões mais inquietantes que o mundo se confronta no século XXI, ao lado dos desafios das mudanças climáticas e dos movimentos migratórios.
Segundo Piketty, os índices e os níveis de desigualdade no Brasil se assemelham aos dos países da África Subsaariana, da Índia e do Oriente Médio, esta sendo a região mundial mais desigual, todos países e regiões onde 1% da população, os mais ricos, tem ampliado a captura da maior parte, acima de 50%, da produção nacional e de eventuais crescimentos econômicos.
Quer sejam estas situações impulsionadas pelas receitas econômicas neo liberais, comprometidas com o capital financeiro, como aconteceu no Chile e na Argentina, ou pela acelerada expansão das novas tecnologias, de gestão, distribuição e produção, que ampliam o desemprego estrutural e o trabalho precário, as muitas desigualdades e a consequente concentração da riqueza tem impactado fortemente a vida nas grandes metrópoles.
Nelas, principalmente nas grandes aglomerações, onde imigrantes são atraídos por melhores e maiores possibilidades de sobrevivência pessoal, e para onde se movem os donos das grandes riquezas em busca de maiores lucros para os negócios imobiliários, as desigualdades e as segregações urbanas tornaram-se mais visíveis e mais trágicas. Centenas de milhares de moradores sem teto ocupam as ruas e praças de cidades, de São Francisco, Nova Yorque a São Paulo e milhões de seus moradores e trabalhadores não tem acesso a uma moradia digna devido ao brutal encarecimento dos custos das habitações, do transporte público e dos serviços públicos básicos.
Embora algumas administrações municipais, como Londres, Vancouver e Paris, tenham tentado criar normas e leis que buscam reduzir ou impedir a pressão dos grandes capitais internacionais na hiper valorização dos imóveis urbanos, deixados vazios `a especulação, ou deslocados para aluguéis de temporada, tipo Airnb, nem sempre conseguiram ampliar o acesso dos grupos mais pobres e mais jovens `as moradias qualificadas e aos melhores lugares e ambientes urbanos.
No Brasil, os que mais sofrem habitam favelas, edificações ou loteamentos clandestinos, compartilham apartamentos cada vez mais reduzidos ou no limites, vivem nas ruas ou em ocupações, enquanto os setores médios se refugiam em condomínios fechados, tornando mais evidentes e visíveis os impactos físicos e sociais que as desigualdades têm gerado nas cidades.
Se somarmos as estas tristes situações, os custos e os tempos gastos na mobilidade diária, no transporte público e as duras condições impostas pelo trabalho precário ou parcial, e’ cada vez mais difícil, difícil imaginar, propor e construir uma vida urbana mais justa, acessível, igualitária e democrática.
Na conclusão de seu livro, Thomas Piketty, ao criticar as justificativas institucionais contemporâneas das desigualdades, nos convida a colocar no centro dos debates atuais a questão da justiça, social, fiscal e climática, da propriedade justa, das fronteiras e da educação justas, e de um desenvolvimento sustentável, através de uma troca de conhecimentos, de experiências, no respeito ao outro, `a diferença e `a deliberação democrática.
Neste quadro de preocupações, as cidades brasileiras, onde habitam mais de 80 % da população nacional, tornam-se necessariamente o campo privilegiado das discussões e disputas dos projetos de sociedade, onde o futuro das condições igualitárias de acesso aos bens materiais e simbólicos urbanos, irão definir as condições plenas da vida comum e extraordinária, de todos nós e da sobrevivência do planeta.

Kleber Frizzera
Novembro 2019

publicado em Movimentoonline.com.br

sábado, 2 de novembro de 2019

Proximidade


Montreal 3
O jornal espanhol El Pais, publicou, em 24 de outubro de 2019, uma reportagem sobre uma longa pesquisa de mobilidade urbana realizada em 174 grandes cidades do mundo, que chegou às seguintes conclusões:
Las ciudades con una movilidad concentrada, o cidades jerárquicas, tienen una mayor calidad de vida. En ellas se usa más el transporte público, se hacen más trayectos a pie, hay menos coches, menos polución, e incluso se atienden mejor las emergencias. En cambio, las ciudades dispersas muestran los niveles contrarios’. Estas são as principais afirmações, cidades hierárquicas e de mobilidade concentrada têm maior qualidade de vida e menos poluição, que chegaram os estudos da equipe multidisciplinar do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC).
Para esta pesquisa, quanto `a mobilidade urbana, existem dois tipos extremos de formas, cidades que são como cebolas ou que são como cachos de uvas:’ por un lado, urbes que son como cebollas, por el otro, ciudades que funcionan como racimos de uvas’. Na Europa, afirmam, ‘la mayoría de las ciudades son cebollas: tienen centros compactos en los que los ciudadanos y turistas entran y salen mucho, rodeados de consiguientes capas en las que se va produciendo menos movimiento y menos densidad. Ao contrário, nos Estados Unidos, afirmam os pesquisadores, ‘abundan las ciudades que se parecen más a un racimo de uvas’. O paradigma deste tipo de cidade seria a região de Los Angeles onde : ‘muchos centros neurálgicos vibrando con movimiento, rodeados de zonas donde la gente se mueve menos’.
A discussão ate´ agora era definir que tipo de cidade seria a mais eficiente, e, ‘com este estudo descobrimos que a melhor e´ a concêntrica,’ diz Javier Ramasco, investigador del CSIC.
Será que estes resultados serviriam para pensar criticamente a atual situação da Grande Vitória, cuja forma se assemelha mais ao modelo de um cacho de uvas, dispersando no seu extenso território, múltiplos e desiguais centros e bairros, conectados por intervalos de baixa movimentação e atividades?
Já a algum tempo políticos e urbanistas , em todo o mundo, tem buscado, em várias cidades na América, Europa e no Canada’, reverter a dispersão urbana e a pluricentralidade, incentivando ações privadas e investindo em serviços, infraestrutura e lugares públicos, no sentido de fortalecer, qualificar e adensar os centros urbanos, históricos e comerciais, transformando-os em nós de cultura, educação, moradia, turismo e de negócios, pontos de mobilidade concentrada.
Enquanto isto, na Grande Vitória, nos deparamos com um centro histórico em frangalhos e aparentemente estamos conformados em viver em arquipélago urbano em que se transformou a nossa metrópole, de longos afastamentos, de longas distancias e de longos tempos de translação entre os seus muitos centros e as fragmentadas áreas habitacionais, impondo uma forte segregação urbana, custos e tempos elevados de transporte público e privado e uma ineficiente oferta de infraestrutura urbana e dos serviços pessoais e empresariais.
O estudo também mostra uma possível correlação entre compacidade de uma cidade e quanto ela e´ capaz e propícia para misturar e mesclar a sua população. Quanto mais hierárquica, mais centralizada, diz o estudo, e consequentemente, mais diversidade social: “La idea es que hay un lugar donde la gente de distintas zonas se encuentra”, e os centros urbanos são estes locais, informa a pesquisa.
Se há um futuro das cidades no século XXI, feliz, sustentável, igualitário e desenvolvido, ele será necessariamente vivido com menos circulação de carros privados nas zonas urbanas, mais movimentações a pé, em transportes públicos e em modais de baixos impactos, com centros concentrados, em habitação e trabalho, e dinâmicos, em educação e cultura, onde convivam as diversidades humanas em usos de todo o tipo, compartilhando espaços e ambientes públicos e democráticos

Kleber Frizzera
Outubro 2019