Uma
pós cidade
Onde
mora o perigo também cresce a salvação
Hölderlin
Para onde nos leva esta estrada
Uma pergunta ronda os tempos de
pandemia.
Superada a fase crítica da peste,
que afasta os corpos, separa e penaliza as proximidades e os afetos, quando ultrapassadas
as perdas, as dores, os sofrimentos e as solidões dos isolamentos e das mortes,
a que cidades retomaremos para nossos usos e prazeres?
As cidades, nos disse o arquiteto
Paulo Mendes da Rocha, são construídas para possibilitarem as conversas entre os
homens e as mulheres, para ativarem as trocas no espaço público, nas praças e
nos mercados, nas escolas e nos espetáculos, para compartilhar alegrias com os
amigos nos bares, nas igrejas, nos estádios, etc.
Por séculos, a humanidade foi construindo
um lugar denso, comum, um lugar de proximidade física e temporal, onde os cidadãos
podem se encontrar e viver experiências comuns. Um lugar especial, a cidade, onde
podemos discutir, concordar e discordar, comprar e vender, orar, dançar e cantar,
estar em multidão, e nos reconhecer como sujeito diante do outro, do diferente,
do bárbaro. Nestes ambientes e práticas urbanas civilizadas, rompemos nossa solidão,
enfrentamos nossa inevitável finitude, e temos a oportunidade de reinventar
nossa história e projetar o nosso futuro, pessoal e coletivo.
Nos tempos difíceis, quando nos recolhemos
em nossas casas, nos afastamos da contaminação dos corpos dos próximos, amigos,
parentes, desconhecidos, desconfiados de todos eles, possíveis de conter e espalhar
o vírus mortal, o que estamos acumulando em nossas paixões e singularidades?
Estamos refletindo, que este momentos
são os adequados para revermos nossas posturas diante da vida, diante das crescentes
segregações sociais, econômicas e urbanas, dos individualismos, das intolerâncias
e dos egoísmos?
Voltaremos, superados os fortes constrangimentos
atuais, para partilhar uma cidade pós pandemia, com qual disposição de espírito
e de ação?
Manteremos vestidos as nossas
armaduras de segurança, que nos tem protegido da epidemia, reforçando, no retorno
ao cotidiano, os preconceitos de todos os tipos, o ódio e o desprezo `a diversidade
que circula nas nossas ruas,
ou
Vacinados com as limitações dos contatos
físicos e afetivos, tornaremo-nos conscientes das condições e fragilidades comuns
da humanidade, da sua dependência de tantos, médicos e enfermeiros, entregadores
e motoristas, agricultores e policiais, artistas e professores, de inúmeros trabalhadores
para a nossa própria sobrevivência,
Aceitaremos esta frágil situação da
vida humana, que depende dos esforços, trabalhos e solidariedade de muitos para
ter sentido, significado e continuidade,
e voltaremos `as ruas, mais
humildes, mais solidários, mais atentos e quem sabe, mais animados para fazermos
nossas cidades menos desiguais, mais justas, mais belas e mais felizes.
Kleber Frizzera
Março 2020