terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Uma vida urbana



Gastown e’ um bairro histórico da cidade de Vancouver, Canada’. Um bairro compartilhado por drogados e sem teto, por jovens millennials, onde circulam muitos turistas. Um bairro cult.
Nele habitam e circulam gente comum, artistas, estudantes, trabalhadores, de várias origens, etnias e nacionalidades, latinos, árabes, muitos asiáticos, chineses na sua grande maioria, 30% da população da cidade.
Em suas ruas e becos, entre edifícios em tijolos e estruturas de madeira, do final de século XIX e início do XX, convivem  diversidades sociais, econômicas e culturais de uma cidade metrópole múltipla, internacional, cosmopolita com 2.500.000 habitantes e um PIB per capita de US$ 44,337.
A Grande Vitória se aproxima de 2.000.000 habitantes para um pib per capita que não chega a US$ 7 000 dólares/ano. .
Nos interiores dos antigos edifícios industriais e armazéns restaurados, jovens moradores ocupam lofts e nos térreos, lojas de móveis, roupas e lembranças turísticas, ateliers e brechós, pizzarias, cafés e salões de beleza, misturam-se `as dezenas ou centenas de moradores sem tetos, jogados nas calçadas, acumulados em tristes filas nas portas de missões religiosas, de hotéis baratos, mergulhados em becos escuros.
Desenganados, desiludidos, desalentados, empurram carrinhos de compras entulhados de coisas, objetos em frangalhos, restos de roupas, embalagens e comidas, consumidos pelas drogas e pela solidão, caminhando curvados apoiados em andadores, homens e mulheres, rostos e gestos cansados, pedem esmolas, apontando aos transeuntes seus copos sujos de papel.
Gastown e’ o sítio original, o bairro onde se originou a cidade de Vancouver, implantada junto ao porto, ponto final da ferrovia Transcanada’, terminada em 1887, que atravessou todo o país, mais de 5 000 km, do oceano Atlântico ao Pacífico, do leste ao oeste.
Neste local, junto ‘as crescentes atividades portuárias, foram se abrigando os novos moradores que buscavam fazer fortuna no Oeste, do ouro, da madeira, das peles, dos negócios de lucros rápidos.
Com a expansão da cidade, inicialmente devido ao comércio com o Oriente e com a segunda guerra mundial, uma parte dos cais, as primitivas indústrias e armazéns, moradores e negócios foram se deslocando para outras localizações e Gastown e seus belos edifícios entraram em decadência.
Um processo de décadas renovou edifícios e vias públicas, atraiu turistas e novos empreendimentos foram ocupando novas ou antigas construções, tornando a região um ponto de atração turística.
Hoje, ao observador descuidado, acostumado com outros bairros ou cidades canadenses, higiênicas e homogêneas, a vida diária em Gastown parece estranha. Ao lado de um café, de uma padaria chic , de pubs e seus usuários descolados ou próximo de uma loja de modernas luminárias, utensílios de cozinha ou roupas da moda, grupos de pessoas se instalam precariamente nas calçadas, mal conseguem erguer seus corpos, dormem no meio de objetos descartados pelo consumo da metrópole.
Mas há poucos indícios de insegurança pessoal, roubos ou violências físicas. O Canada’ tem um dos menores índices mundiais de violência, -Em termos de homicídios, por exemplo, o Canadá inteiro registrou 1,8 mortes  para cada 100 mil pessoas em 2017, enquanto o Brasil chegava a 28,5 assassinatos para o mesmo número de habitantes
Por todo o dia, turistas e moradores enchem as lojas e restaurantes, as happy hours são muito animadas e os finais da semana, mesmo com o tempo frio e a chuva fina de outono, estão sempre movimentados, de grupos de jovens, de casais que buscam se encontrar em um bar ou para degustar um jantar em restaurante da moda.
Como avaliar este ambiente urbano?
Para quem esta’ a três semanas convivendo com estes eventos e lugares, sou possuído por sentimentos ambíguos. E se de um lado me encanta a variedade das ofertas sensíveis, de uma experiência pessoal diversificada, ambiental e eventual, me angustio com a presença destes corpos lançados as ruas, suas faces envelhecidas e olhos sem focos, vagando desajeitados, curvados, desequilibrados pelas ruas, tornados normais aos passantes indiferentes, que se deslocam para o trabalho, os estudos, os entretenimentos.
Não há uma repressão explícita ao uso das drogas e a política pública de redução de danos oferece assistência social e médica, consumo supervisionado, moradia temporária em hotéis e abrigos, muitas deles dirigidos para mulheres agredidas ou desassistidas.
O uso e venda da maconha está liberada em todo o Canada’, podendo ser adquirida livremente desde o ano de 2018.
Desfio os meus olhares surpresos, indecisos, assustados com tanta tristeza e ao mesmo tempo, admirados com tanta diferença e sofrimentos, surpreendidos com os muitos modos possíveis da vida urbana.


Kleber Frizzera
Novembro 2019

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