terça-feira, 6 de agosto de 2019

Tempos difíceis.2


Vivemos tempos difíceis, desafiadores, talvez desesperançosos. 
Vivemos um mundo de profundas manifestações de ódios e violências, um mundo de grandes misérias, ocupado por agressivos preconceitos culturais, de gênero, de sexo e cor, um mundo de desigualdades sociais, regionais e econômicas, onde as muitas narrativas, projetos políticos e opções de comportamentos individuais e coletivos confundem e dificultam as compreensões e escolhas pessoais.
Neste tempo, novas tecnologias stão transformando as vidas comuns, impactando cada vez mais a natureza e o construído, gerando tragédias globais no meio ambiente, assustando com o acesso, controle e manipulação das informações privadas e dos dados mais íntimos, e apontando um momento onde cyborgs e robots poderão estar substituindo, em muitas tarefas, os seres humanos, tornados, em sua maioria, pessoas inúteis e irrelevantes, vivendo de precários, temporários e alienados trabalhos e empregos.
No interior das casas, as famílias tradicionais se dissolvem, compondo novas ordens, editando arranjos diversos, de afetos, valores e sexualidades, um mundo privado mais livre e inventivo, mas também de rusgas e confrontos, de violência contra as mulheres e os homossexuais, que ampliam os dissensos e as discórdias.
A virtualidade esta' sequestrando as relações sociais pessoais, afastando as pessoas do convívio dos lugares públicos das cidades e ambientes julgados agressivos, a viver em comunidades fragmentadas, condomínios murados, opondo em desconfiança e rancor, aos outros, vizinhos tornados inimigos, e apenas aproximando, nas redes sociais, os mais semelhantes ou iguais, agrupados em bolhas homogêneas.
Neste mundo tão diverso, entre a globalização e o localismo, nos conflitos entre uma terra sem fronteiras e os grossos muros da separação real ou virtual, em dúvidas entre as verdades e as mentiras, qual serão o papel das edificações e das cidades no século XXI?
O mais importante arquiteto vivo brasileiro, Paulo Mendes da Rocha, nos propõem, ´a contemporaneidade, um conjunto de tarefas para os cidadãos e urbanistas.
A primeira, a mais sensível, e´ pensar, projetar, produzir e viver uma cidade, que ampare, proteja e cuide dos homens e das mulheres. Mas principalmente, cuide dos mais fracos, dos que sofrem injustiças, preconceitos e violências, daqueles e daquelas, que submetidas as imparciais e abstratas regras da vida económica, tornaram-se irrelevantes, inúteis, aqueles que vivem em precárias habitações e que são excluídos da vida publica urbana. Os pobres, negros, as mulheres, as crianças e os velhos, os homossexuais. Os sem teto. 
Mas Paulo Mendes, também nos convoca a assumir a herança histórica da arquitetura e das cidades, das suas técnicas, de suas qualidades estéticas, culturais e humanas, de suas estimulantes experiências espaciais, a se somarem aos conhecimentos científicos e tecnológicos atuais, para fazer e prover os edifícios e os lugares urbanos, das condições objetivas para uma vida digna, igualitária, alegre e feliz. 
E finalmente, nos convoca a devolver às cidades as suas condições democráticas, fazendo melhores os seus espaços públicos, de convivência social, política e cultural, no´s onde as falas, os argumentos, os discursos e as práticas das diversidades possam conviver, debater as suas diferenças e decidir os nossos futuros, de forma democrática.
Uma cidade que instale o comum, que permita gerar novos nomes, práticas e lugares, ocupar as falas que “ trarão `a vida o mundo desconhecido que esta’ a nossa espera, porque esperamos por ele
O sucesso destas tarefas, hoje, se encontram, em boa parte nas mãos das mulheres, que no século XXI, creio, com a sensibilidade, a generosidade e solidariedade, a disciplina e o desejo serão capazes e tem as plenas condições para o seu cumprimento.
Que brilhe os olhos do tigre entre as ruinas abandonadas.

Kleber Frizzera
Agosto 2019


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