quinta-feira, 14 de março de 2024

Todas as cidades são Veneza


 

O céu estará límpido

As ruas abrir-se-ão

Sobre colinas de pinheiro e pedra.

Serás tu- imóvel e clara.

Cesare Pavese

 

Marco Polo, diante de Kublai Kan, que se orgulha das múltiplas e inumeráveis cidades de seu império, afirma e recorda que todas elas são como Veneza, a sua cidade natal.

Lugares armados para o comércio e produção de coisas, bens, palavras, de trocas de informações e lembranças, postos avançados das civilizações, de seus poderes e culturas, sejam pequenas vilas ou imensas metrópoles, compartilham de um único desejo, uma comum vontade, demarcados no sitio natural. 

Feitas de cortes retos, ou de estreitos trilhos, com desenhadas marcas ortogonais e vazios interiores, recortadas em curvas que se acomodam em terrenos elevados, ou como retas infinitas nos planos planaltos, dominando, muralhas, fortes e palácios, as paisagens, antecipando os riscos de invasões, se estendem em vales, a beira de rios ou de mar, em afastados desertos, o que terão em comum?

Nas cidades, entre a multidão, algo me empresta a memória dos diferentes, de suas cores, línguas, disposições, me oferece o mundo distante e a longa estrada, me assusta e me encanta, me afasta e me aproxima, de suas histórias impressas em seus corpos e gostos outros.

Nas cidades, as vitrines emolduram os suaves gestos e feitos objetos, brilhos de joias e roupas, de doces e pães que exalam prazeres guardados de manhãs esplendorosas e de tristes solidões, quando a chuva escorre nos vidros das janelas o cinza do dia.

Nas cidades, as multidões, em festas, carnavais e procissões, desdobram fantasias e sonhos, elevam músicas e danças aos céus, aguardam benfeitorias, graças e pequenos milagres, mas também em comício, exalam proporções e altos gritos de revoltas e de paixões comuns.

Nas cidades, se faz o presente, se imagina o passado e se propõe alternativos futuros, imaginações intermediam falas sujeitas e racionais explicações, desdobram possíveis e impossíveis soluções, afiançam compromissos gravados em terras, pedras e nuvens. 

Pequenos gestos, de cotidianos e repetidos afazeres entornam a continuidade das vidas humanas, vazando em longas ruas e ensolaradas praças e jardins, recriam passados paraísos perdidos, oferecem lembranças esgotadas, desdobram identidades.

Inúmeros becos e escadarias anunciam passagens sombreadas, o sol em raios fúlgidos reflete em branco nas altas janelas e cunhais, ruas ascendem em curvas aos morros e se esparramam em vales em destino ao rio Tejo. 

Ou será `a baía de Vitoria?

Quando cruzamos um olhar ao oferecer o comprimento do dia, desvia da visada o caminhante, recorda-se de dores antigas, de escravidão e do trabalho, de longas viagens de imigração e sofrimento.

Todas as cidades são Lisboa, 

Todas as cidades são Vitória

Todas as cidade são Veneza.

 

Banco de imagens : panorama, agua, arquitetura, Por do sol, barco ...

 

Kleber Frizzera

Lisboa, fevereiro 2024

Vitória, março 2024

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