quarta-feira, 13 de agosto de 2025

segunda-feira, 21 de julho de 2025

quinta-feira, 14 de março de 2024

Todas as cidades são Veneza


 

O céu estará límpido

As ruas abrir-se-ão

Sobre colinas de pinheiro e pedra.

Serás tu- imóvel e clara.

Cesare Pavese

 

Marco Polo, diante de Kublai Kan, que se orgulha das múltiplas e inumeráveis cidades de seu império, afirma e recorda que todas elas são como Veneza, a sua cidade natal.

Lugares armados para o comércio e produção de coisas, bens, palavras, de trocas de informações e lembranças, postos avançados das civilizações, de seus poderes e culturas, sejam pequenas vilas ou imensas metrópoles, compartilham de um único desejo, uma comum vontade, demarcados no sitio natural. 

Feitas de cortes retos, ou de estreitos trilhos, com desenhadas marcas ortogonais e vazios interiores, recortadas em curvas que se acomodam em terrenos elevados, ou como retas infinitas nos planos planaltos, dominando, muralhas, fortes e palácios, as paisagens, antecipando os riscos de invasões, se estendem em vales, a beira de rios ou de mar, em afastados desertos, o que terão em comum?

Nas cidades, entre a multidão, algo me empresta a memória dos diferentes, de suas cores, línguas, disposições, me oferece o mundo distante e a longa estrada, me assusta e me encanta, me afasta e me aproxima, de suas histórias impressas em seus corpos e gostos outros.

Nas cidades, as vitrines emolduram os suaves gestos e feitos objetos, brilhos de joias e roupas, de doces e pães que exalam prazeres guardados de manhãs esplendorosas e de tristes solidões, quando a chuva escorre nos vidros das janelas o cinza do dia.

Nas cidades, as multidões, em festas, carnavais e procissões, desdobram fantasias e sonhos, elevam músicas e danças aos céus, aguardam benfeitorias, graças e pequenos milagres, mas também em comício, exalam proporções e altos gritos de revoltas e de paixões comuns.

Nas cidades, se faz o presente, se imagina o passado e se propõe alternativos futuros, imaginações intermediam falas sujeitas e racionais explicações, desdobram possíveis e impossíveis soluções, afiançam compromissos gravados em terras, pedras e nuvens. 

Pequenos gestos, de cotidianos e repetidos afazeres entornam a continuidade das vidas humanas, vazando em longas ruas e ensolaradas praças e jardins, recriam passados paraísos perdidos, oferecem lembranças esgotadas, desdobram identidades.

Inúmeros becos e escadarias anunciam passagens sombreadas, o sol em raios fúlgidos reflete em branco nas altas janelas e cunhais, ruas ascendem em curvas aos morros e se esparramam em vales em destino ao rio Tejo. 

Ou será `a baía de Vitoria?

Quando cruzamos um olhar ao oferecer o comprimento do dia, desvia da visada o caminhante, recorda-se de dores antigas, de escravidão e do trabalho, de longas viagens de imigração e sofrimento.

Todas as cidades são Lisboa, 

Todas as cidades são Vitória

Todas as cidade são Veneza.

 

Banco de imagens : panorama, agua, arquitetura, Por do sol, barco ...

 

Kleber Frizzera

Lisboa, fevereiro 2024

Vitória, março 2024

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Vitória, uma cidade envelhecida

Os resultados preliminares do censo IBGE 2022 lançaram uma grande preocupação sobre o futuro da cidade e dos moradores de Vitória. Enquanto o conjunto dos 5 municípios, Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica e Viana, cresceu no período 2010/2022, em torno de 16 %, passando de 1.565. 422 para 1.818.918 habitantes, Vitória teve um acréscimo populacional de apenas 1,1%, menos de 4.000 habitantes, passando de 327.801 a 331.785 habitantes. Neste mesmo período, Serra cresceu 33,5 %, Vila Velha 19,1%, Cariacica 7,6%. De 2010/ 2022, esta aglomeração urbana teve um aumento populacional acima da média do estado, que foi de 13%, crescendo a concentração em torno da metrópole, que abriga, atualmente, 46,1 % dos moradores capixabas. Embora preliminares, estes dados permitem pensar e examinar algumas hipóteses para a situação particular de Vitória: 1. Encarecimento do valor dos imóveis- compra e aluguel- e pouca ou nenhuma oferta de habitação social para atender os setores populares/ minha casa minha vida. 2.Crescimento e diversificação da oferta de empregos, serviços e comércio nos municípios vizinhos. Assim segundo novo Caged, no período de Novembro 2020/ Novembro 2022, o aumento do emprego formal foi de: 14,4% em todo o estado, 10.8%, em Vitoria, 17,6 % em Vila Velha, 15,0% em Serra e 13% em Cariacica. O estoque de empregos nestes dois anos dos três maiores municípios tendeu a se aproximar: em novembro de 2022: Vitória contava c0m 150, 1 mil empregos, Vila Velha 100,2 mil e Serra com 144,1 mil empregos, embora Vitória ainda ofereça, em percentagem e valores, os mais altos salários das região. 3. Ampliação do número e do uso de veículos individuais- carros, uber, bicicletas e motos-, estendendo a capacidade e alternativas de deslocamento intraurbano – casa, trabalho, ensino, entretenimento-, da população metropolitana e consequente das escolhas do local de moradia e trabalho. 4.Mudancas das composições, perfis e relações familiares, reduzindo a necessidade de habitar em locais próximos ao núcleo familiar expandido. 5. A pequena iniciativa da prefeitura municipal em promover desenvolvimento econômico local- novos negócios, renda e empregos-, e os reduzidos investimentos de melhorias de condições de infraestrutura e acessos aos morros a cidade. Consequências 1, Envelhecimento médio da população. 2. Concentração de habitantes de maior renda: empresários/ rentistas/ profissionais liberais e o aumento das desigualdades sociais e empobrecimento dos trabalhadores, vivendo de empregos provisórios e precários. 3, Perda de dinamismo econômico, resultado de um capital local avesso a riscos, que investe prioritariamente no rentismo, imóveis, ações e fundos, ou fora do estado e mesmo do país. 4. Aumento de número e percentagem de imóveis vazios ou deixados subutilizados, tanto corporativos como habitacionais, e a consequente redução do número de moradores/ domicílios. 5. Esvaziamento econômico e a redução de população do centro histórico e muito provavelmente dos bairros populares tradicionais: Maruipe/ Santo Antonio/ Vila Rubim/Caratoira/ Jucutuquara. 6. Mudanças profundas nas demandas dos serviços públicos- saúde, lazer e educação- pela rápida alteração da pirâmide populacional, menos crianças, mais velhos. 7. O menor custo da moradia e a sensação crescente de insegurança faz, que os condomínios fechados (das mais variadas classes) nos municípios vizinhos, se tornem mais atrativos às jovens famílias. A metrópole está se estendendo dispersa e fragmentada junto ao litoral, em multisegmentados centros, aumentando as distâncias e tempos das viagens entre os bairros e cidades vizinhas, desagregando o partilhamento, pertencimento e identidade de um possível lugar comum, a Grande Vitória. Kleber/ 09/01/2022

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Espirito Santo

  

espírito santo 

 

Há sempre um gesto incompleto, uma decisão atrasada, uma vontade reduzida, que parece ocupar os tempos e os espaços nas histórias do estado do espírito santo, de seus repetidos isolamentos e afastamentos, de seus projetos fracassados e recomeços infelizes. 

São histórias que desde a ocupação original portuguesa somaram e acumularam violências, contra os índios, contra a natureza, negros e mulheres, reproduziram distorcidas as formas capitalistas da exploração do território, dos corpos e das vontades, esvaziadas de seus sonhos.

Se no século XVIII, o limite de acesso às minas gerais foi imposto pela Coroa Portuguesa, e se podemos deslizar a outros a responsabilidades pelo extermínio dos índios e pela desregrada imigração europeia, nos coube, em própria conta, a metódica destruição das matas, o ódio às mulheres e a dependência de um modelo econômico concentrador de rendas.

Assim, não é surpresa termos hoje, uma elite empresarial e política tão conservadora, racista e excludente, uma classe média agarrada aos seus valores monetários rentistas e uma população que se recolhe a uma rala esperança de uma salvação em vida pós morte. Naturalizamos os feminicídios, o preconceito racial, as desigualdades econômicas e sociais, as segregações urbanas, aceitamos desejos limitados que não se afastam dos mapas da província.

Em um século XXI que não perdoa o isolamento, cujos impactos ambientais e sanitários não respeitam fronteiras e barreiras e quando a mudanças tecnológicas atropelam modos de vida e práticas tradicionais, extinguem empregos e culturas, somos incapazes de pensar o diferente, o desigual, o outro lado, submetidos aos repetidos gostos e procedimentos banais.

Talvez seja assim mesmo e a condenação superposta por séculos, inscrita nos nossos modos, falas e comportamentos seja tão profunda incisão, que não há meios de reinscrever um outro jeito, e assim, aceitamos soluções meia bomba, desde governos que entesouram saldos a outros que anunciam arranjos descosturados para propor uma universidade estadual.

Acostumados a sabores insossos, a viver em uma quase metrópole, a passar resignados por um cais das artes abandonado, a acompanhar projetos interrompidos, sobra-nos os restos e as migalhas para quem se acostumou estar `a margem, do país e do mundo, sentado na avenida beira mar, olhando os navios que chegam e partem dos portos, enquanto o velho centro se desmancha em pó e cinzas, em nossas costas.

No tempo de difíceis escolhas, de tempos difíceis de ódios e violências, de pandemias e lock down, tempos de mudanças climáticas e riscos globais, tempos de decisões, poderemos pensar outras rotas, desfazer os laços que nos mantiveram em tanta aflição?

Quando o real parece nos escapar pela imaterialidade do mundo virtual, e os corpos tornam-se híbridos, corpos cyborgs, onde os lugares e as coisas se desmancham nos ares, diante das informações, sem limites, e cada contato e’ intermediado e deformado pelas imagens, haverá uma saida que reconstitua uma experiência intensa do local onde aportamos nossos barcos e esperanças?

 

 

Kleber Frizzera

Novembro 2021